Gostaria de compartilhar com vocês, um trecho da Autobiografia Venerável Excelentíssimo Reverendíssimo Dom John Fulton Sheen, Arcebispo titular de Newport, País de Gales e Bispo Emérito de Rochester; em que ele fala de sua grande devoção à Nosso Senhor Jesus Cristo, presente viva/verdadeiramente no Santíssimo Sacramento.
Vale muito à pena ler.
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Mons. Fulton J. Sheen Tradução: Carlos Wolkartt |
No dia da minha Ordenação, tomei duas decisões:
1. Que ofereceria a Sagrada Eucaristia todos os sábados em honra à Santíssima Virgem Maria, para implorar sua proteção sobre meu sacerdócio – a Epístola aos Hebreus ordena ao sacerdote oferecer sacrifícios não só pelos demais, mas também por si mesmo, já que seus pecados são maiores devido à dignidade de seu ofício.
2. Resolvi também que todos os dias passaria uma Hora Santa na presença de Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento.
Venho mantendo ambas as decisões no decorrer do meu sacerdócio. A Hora Santa originou-se de uma prática que desenvolvi um ano antes de ser ordenado. A grande capela do Seminário de São Paulo fechava às seis da tarde; todavia, havia capelas privadas disponíveis para devoções privadas e orações noturnas. Numa tarde em particular, durante o recreio, caminhei por quase uma hora, de um lado a outro, no exterior da capela maior. Um pensamento me surgiu: “– Por que não fazer uma Hora Santa de adoração na presença do Santíssimo Sacramento?”. Comecei no dia seguinte, e hoje a prática já carrega mais de sessenta anos.
Apresentarei brevemente algumas razões pelas quais mantenho esta prática, e por que venho fomentando-la nos demais.
Primeiro, a Hora Santa não é uma devoção; é uma participação na obra da Redenção. No Evangelho de São João, Nosso Santíssimo Senhor usou as palavras “hora” e “dia” em duas conotações totalmente diferentes. O “dia” pertence a Deus; a “hora” pertence ao maligno. Sete vezes no Evangelho de São João usa-se a palavra “hora”, e em cada instância referenciando-se ao demônio e aos momentos em que Cristo já não está nas Mãos do Pai, mas nas mãos dos homens. No horto de Getsêmani, Nosso Senhor contrastou duas “horas”: uma era a hora do mal, na qual Judas pôde apagar as luzes do mundo. Em contraste, Nosso Senhor perguntou: “Não podem velar uma hora comigo?”. Em outras palavras, Ele pediu uma hora de reparação para combater a hora do mal; uma hora de união íntima com a Cruz para sobrepor-nos ao anti-amor do pecado.
Em segundo lugar, a única vez que Nosso Senhor pediu algo a seus Apóstolos foi na noite de sua agonia. Não pediu a todos, talvez porque sabia que não podia contar com sua fidelidade. Porém, ao menos esperava que três lhe fossem fiéis: Pedro, Tiago e João. Desde esse momento, e muitas vezes na história da Igreja, o mal está acordado, porém os discípulos estão dormindo. É por isso que de Seu angustiado e solitário Coração saiu o suspiro: “Não podem velar tão somente uma hora comigo?”. Ele não implorava por uma hora de atividade, mas por uma hora de companhia.
A terceira razão pela qual mantenho a Hora Santa é para crescer mais e mais à semelhança d’Ele. Como diz São Paulo: “Nos transformamos naquele em que fixamos nosso olhar” (Cf. 2 Cor III, 18). Ao contemplar o entardecer, o rosto toma um resplendor dourado. Ao contemplar o Senhor Eucarístico por uma hora, o coração se transforma de um modo misterioso, assim como o rosto de Moisés se transformou na companhia de Deus na montanha. Acontece-nos algo parecido ao que aconteceu com os discípulos de Emaús, no domingo de Páscoa pela tarde, quando o Senhor os encontrou. Ele lhes perguntou por que estavam tão tristes, e depois de passar algum tempo em Sua presença, e ouvir novamente o segredo da espiritualidade – “O Filho do Homem deve sofrer para entrar em Sua Glória” –, o tempo de estar com Ele terminou, e seus “corações ardiam”.
A Hora Santa é difícil? Algumas vezes parecia ser difícil; poderia significar ter que sacrificar um compromisso social, ou levantar-se uma hora mais cedo, porém no fundo nunca foi uma carga, só uma alegria. Não quero dizer que todas as Horas Santas tenham sido edificantes como, por exemplo, aquela na igreja de São Roque, em Paris. Entrei na igreja em torno das três da tarde, sabendo que teria que tomar um trem a Lourdes duas horas mais tarde. Só tenho uns dez dias por ano nos quais posso dormir durante o dia, e este era um desses. Ajoelhei-me e rezei uma oração de adoração, sentei-me para meditar, e poucos minutos depois estava dormindo. Ao despertar, disse ao Bom Senhor: “Eu fiz uma Hora Santa?”. Pensei que Seu anjo me dizia: “Bom, foi dessa forma que os Apóstolos fizeram sua primeira Hora Santa no horto de Getsêmani, mas não o faças outra vez”.
Uma Hora Santa difícil que recordo, foi quando tomei um trem de Jerusalém ao Cairo. O trem partiu às quatro da manhã; isso fez com que eu levantasse muito cedo. Em outra ocasião, em Chicago, às sete da noite, pedi permissão ao pároco para entrar em sua igreja e fazer uma Hora Santa, já que a igreja estava fechada. Mais tarde, ele se esqueceu de que me havia deixado entrar, e passei em torno de duas horas tentando encontrar uma maneira de escapar. Finalmente, pulei por uma pequena janela e caí na carvoeira. Isto assustou o caseiro, que veio em meu auxílio.
No início do meu sacerdócio, fazia a Hora Santa durante o dia ou à tarde. No decorrer dos anos, fiquei mais ocupado, e fazia a Hora de manhã cedo, geralmente antes da Santa Missa. Os sacerdotes, como todas as pessoas, dividem-se em duas classes: galos e corujas. Alguns trabalham melhor pela manhã, outros durante a noite.
O objetivo da Hora Santa é fomentar um encontro pessoal e profundo com Jesus Cristo. O santo e glorioso Deus nos invita constantemente a aproximarmo-nos d’Ele, conversar com Ele, para pedir-lhe as coisas que necessitamos e para experimentar a bênção da amizade com Ele. Quando somos neossacerdotes, é fácil nos darmos por inteiro a Cristo, porque o Senhor nos preenche de doçura, da mesma maneira que uma mãe dá um caramelo a seu bebê para animar seu primeiro passo. O entusiasmo, entretanto, não dura muito; rapidamente aprendemos o custo do apostolado. A lua de mel logo termina, assim como a vaidade de ouvir pela primeira vez aquele estimulante título de “Padre”.
O amor sensível, ou amor humano, diminui com o tempo, porém o Amor Divino não. O primeiro concerne ao corpo, que responde cada vez menos aos estímulos, mas na ordem da graça, a resposta do Divino ao pequeno, os atos humanos de amor se intensificam.
Nem o conhecimento teológico, nem a ação social por si só são suficientes para nos mantermos em amor com Jesus Cristo, a menos que ambos estejam precedidos por um encontro pessoal com Ele.
Moisés viu que a sarça ardente no deserto não se alimentava de nenhum combustível. A chama, sem alimentar-se de nada visível, continuava existindo sem destruir a madeira. Uma dedicação tão pessoal a Cristo não deforma nenhum de nossos dons naturais, disposições ou caráter; só renova sem matar. Como a madeira se transforma em fogo, e o fogo perdura, assim nos transformamos em Cristo, e Cristo perdura.
Descobri que leva algum tempo para incendiar-se rezando. Esta tem sido uma das vantagens da Hora diária. Não é tão curta como para não permitir à alma abismar-se e sacudir-se às múltiplas distrações do mundo. Estar ante a presença de Nosso Senhor é como expor o corpo ao sol para absorver seus raios. O silêncio na Hora é como uma conversa privada com o Senhor. Nesses momentos, rezamos menos e ouvimos mais. Não dizemos: “Ouve, Senhor, porque teu servo fala!”, mas “Fala, Senhor, que teu servo escuta!”.
Busquei muitas vezes uma maneira de explicar o fato de que nós, os sacerdotes, devemos conhecer mais a Jesus Cristo do que sobre Jesus Cristo. Muitas traduções da Bíblia usam a palavra “conhecer” para indicar a união carnal de dois em um. Por exemplo: “Salomão não a conhecia”, o que significava que não havia tido relações carnais com ela. A Santíssima Virgem Maria disse ao Anjo na Anunciação: “Não conheço nenhum homem”. São Paulo exorta os maridos a possuírem suas mulheres em “conhecimento”. A palavra “conhecer” aqui indica unidade carnal de dois em um. A aproximação dessa identidade provém da aproximação da mente com qualquer objeto conhecido. Nenhuma faca poderia separar minha mente da ideia que ela tem de uma maçã. A união íntima de marido e mulher descrita como “conhecimento” deve ser o fundamento desse amor pelo qual o sacerdote ama a Cristo.
Intimidade é abertura sem reservas, que não guarda nenhum segredo, e revela o coração aberto a Cristo. Demasiadas vezes os amigos são só “dos barcos que passam dentro da noite”. O amor carnal, apesar de ser íntimo, muitas vezes pode ser uma troca de egoísmos. O ego se projeta na outra pessoa, e o que se ama não é a outra pessoa, mas o prazer que a outra pessoa oferece. Notei ao longo da minha vida que, quando eu retrocedia ante as demandas que o encontro me havia imposto, me via mais ocupado e mais preocupado com atividades. Isto me dava uma desculpa para dizer: “Não tenho tempo”, como um marido que pode absorver-se no trabalho, e se esquecer do amor de sua mulher.
É impossível para mim explicar o quão útil foi a Hora Santa para preservar minha vocação. A Escritura oferece uma considerável evidência para provar que um sacerdote começa a falhar em seu sacerdócio quando falha no amor à Eucaristia. Muitas vezes assume-se que Judas caiu porque amava o dinheiro. A avareza é raramente o princípio do erro e da queda de um embaixador. O princípio da queda de Judas, e o fim de Judas, ambos giram em torno da Eucaristia. A primeira vez que a Escritura Sagrada menciona que Nosso Senhor sabia quem haveria de traí-lo, é ao final do capítulo seis de São João, que é o capítulo da anunciação da Eucaristia. A queda de Judas veio na noite que Nosso Senhor instituiu a Eucaristia, na noite da Última Ceia.
A Eucaristia é tão essencial para nossa união com Cristo, que nem bem Nosso Senhor a anunciou no Evangelho para já começar a ser a prova de fidelidade de seus seguidores. Primeiro, perdeu as massas, porque era muito duro em suas palavras, e já não mais o seguiam. Em segundo lugar, perdeu alguns de seus discípulos: “Eles já não andavam mais com Ele”. Terceiro, dividiu seu grupo de apóstolos, já que aqui Judas é anunciado como o traidor.
Portanto, a Hora Santa, além de seus benefícios espirituais, preveniu meus pés de vaguear muito longe. Quando se está atado a um Sacrário, a própria corda não é tão larga para encontrar outras pastagens. Essa tênue lâmpada do tabernáculo, embora pálida e difusa, tem uma misteriosa luminosidade para obscurecer o brilho “das luzes brilhantes”. A Hora Santa tornou-se como um tanque de oxigênio para reavivar o sopro do Espírito Santo no meio da suja e hedionda atmosfera do mundo. Mesmo quando parecia ser tão pouco proveitoso, e carente de intimidade espiritual, tinha a sensação de ser ao menos como um cão na porta de seu dono, pronto caso fosse chamado.
A Hora Santa tornou-se, também, um magistério e uma mestra, já que, embora antes de amar a alguém devemos conhecer essa pessoa, sem embargo, depois sabemos que é o Amor que aumenta o conhecimento. As convicções teológicas não só são obtidas das duas capas de um livro formal, mas dos dois joelhos sobre um genuflexório ante um Sacrário.
Finalmente, fazendo uma Hora Santa todos os dias, constituía para mim uma área da vida na qual podia pregar o que praticava. Muitas poucas vezes em minha vida preguei o jejum de forma rigorosa, já que o jejum sempre me pareceu extremadamente difícil; porém, podia pedir aos outros para fazerem a Hora Santa, porque eu a fazia.
Gostaria de ter mantido, ao longo do tempo, um registro das milhares de cartas que venho recebendo de sacerdotes e leigos contando-me suas experiências na prática da Hora Santa. Cada retiro para sacerdotes que eu pregava tinha a Hora Santa como resolução prática. Demasiadas vezes os retiros são como as conferências sobre saúde. Há um acordo geral sobre a necessidade de se ter saúde, porém falta uma recomendação específica sobre como ser saudável. A Hora Santa se transformou em um desafio para os sacerdotes do retiro, e depois, quando os vídeos dos meus retiros estavam disponíveis para os leigos, era edificante ler sobre os que respondiam à graça, fazendo uma Hora diária frente ao Senhor. Um monsenhor, por debilidade ante o álcool, e pelo consequente escândalo, foi ordenado a deixar sua paróquia, e foi posto à prova em outra diocese, onde participou do meu retiro. Respondendo à graça de Deus, deixou o álcool, foi restituído efetivamente em seu sacerdócio, seguiu fazendo a Hora Santa todos os dias, e morreu na presença do Santíssimo Sacramento.
Como exemplo da grande amplitude de efeitos da Hora Santa, certa vez recebi uma carta de um sacerdote da Inglaterra que dizia, com suas próprias palavras: “Deixei o sacerdócio, e caí em um estado de degradação”. Um sacerdote amigo o convidou a ouvir o cassete sobre a Hora Santa de um retiro que eu havia pregado. Respondendo à Graça, foi restituído novamente ao sacerdócio, e lhe foi confiado o cuidado de uma paróquia. A Divina Misericórdia produziu nele uma mudança, e então recebi esta carta:
“Semana passada tivemos nossa Solene Exposição anual do Santíssimo Sacramento. Animei um grande número de pessoas a vir e velar durante todo o dia, e todos os dias, e assim não teríamos que guardar o Santíssimo Sacramento por falta de pessoas para velar. Na última tarde, organizei uma procissão com os Primeiros Comungantes (crianças que estavam prestes a fazer sua Primeira Comunhão), atirando pétalas de rosa diante do Senhor. Os homens da paróquia formaram uma Guarda de Honra. O resultado foi surpreendente: havia mais de 250 pessoas presentes para a procissão e a Hora Santa. Estou convencido de que nossa gente está buscando, muitas das vezes, devoções que muitas das paróquias oferecem, e isto passa porque nós, os sacerdotes, não podemos ser molestados com incômodos. No ano que vem espero que a Exposição Solene seja ainda com mais quantidade de pessoas, já que agora a notícia está sendo espalhada. No último par de semanas, formei um grupo de estudos da Bíblia; isto é para animar nossa gente a ler a Palavra de Deus. Começo com a leitura das Escrituras e meditamos durante a tarde; logo depois, temos uma breve exposição do Santíssimo Sacramento, e meditação até o momento da Bênção. Comecei também a percorrer as ruas ao redor da paróquia, e rezo a Missa toda semana em uma casa da quadra, e convido todos dessa rua a vir e participar. A resposta tem sido muito boa, tendo em conta que isto é novidade por aqui. Não quero me converter em um sacerdote ativista; assim que me levanto, bem cedo, faço minha Hora Santa. Ainda tenho meus problemas pessoais para controlar, porém tomei coragem de suas palavras: “terás que combater muitas batalhas, mas não te preocupes porque, no final, ganharás a guerra ante o Santíssimo Sacramento”.
Muitos leigos que leem os livros e ouvem os cassetes também estão fazendo a Hora Santa.
Outro dos frutos da Hora Santa é a sensibilidade à Presença Eucarística de Nosso Divino Senhor. Recordo-me de haver lido nos escritos de Lacordaire, o famoso orador da Catedral de Notre Dame em Paris: “Dai-me um jovem que possa apreciar por dias, semanas e anos, a dádiva de uma rosa, ou o aperto da mão de um amigo”.
Vendo, no início de meu sacerdócio, que os matrimônios se destroem e os amigos se separam quando a sensibilidade e a delicadeza se perdem, tomei várias medidas para conservar essa responsabilidade. Recém-ordenado, e como estudante na Universidade Católica de Washington, nunca entrava na sala de aula sem antes subir a escadaria até a capela para fazer um pequeno ato de amor a Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento. Mais tarde, na Universidade de Louvain, na Bélgica, entrava para visitar Nosso Santíssimo Senhor em cada uma das igrejas pelas quais passava até chegar à sala de aula. Quando segui o trabalho de graduação em Roma, e fui às Universidades Angelicum e Gregoriana, visitava todas as igrejas no caminho desde a zona de Trastevere, onde vivia. Tempos depois, como professor na Universidade Católica de Washington, consegui pôr uma capela em frente à minha casa, para que sempre pudesse, antes e depois de sair, ver a lâmpada do Sacrário como um sinal para ir adorar o Coração de Jesus Cristo pelo menos por uns poucos segundos. Tratei de ser fiel a esta prática durante toda a minha vida, e ainda agora, no departamento em New York onde vivo, a capela está entre meu local de estudo e meu dormitório. Isto quer dizer que não posso me mover de uma área à outra de meu pequeno departamento sem ao menos fazer uma genuflexão e uma pequena jaculatória a Nosso Senhor no Santíssimo Sacramento.
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Fonte: SHEEN, Fulton J. Treasure in Clay: The Autobiography of Fulton J. Sheen, Image Books, New York, 1980 – Capítulo XII.
Postado originalmente em: Christ Fidei
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